Nunca me contagiou o entusiasmo com que pessoas exibem fotos de viagem ou álbum de casamento. Como troféus reunidos para exposição pública. Passeios ou eventos podem ser interessantes para quem lá esteve. Para quem ouve contar, ou tem que ver fotos que não acabam mais, eles se tornam, quase sempre, um aperreio. Mais de uma vez me questionei se pensar assim não seria azedume ou deselegância de minha parte. Vai ver, todo o mundo aprecia. Eu é que sou diferente do resto dos mortais, o único do contra. A infância pobre da roça deixou-me um tanto arredio a práticas com que não fui acostumado.
Por isso, me confortou a leitura de um conselho, que julguei de muita sabedoria: “Não aborreça ninguém com o relatório das suas viagens. Elas são interessantes só para quem viaja. Ninguém aguenta ouvir os relatórios e ver fotografias horas e horas. Comente apenas o destino e a duração da viagem, se alguém perguntar. Aprenda a fazer uma síntese de tudo, a não ser que seus amigos peçam mais detalhes. Se alguém perguntar mais alguma coisa, seja breve”. Mais preparada que eu, a autora responde pelo nome de Ivone Boechat. Expõe no currículo títulos de mestre em Educação, pedagoga, conferencista e escritora. Estou, portanto, em apreciável companhia. Generalizar é injusto, mas para certas pessoas mostrar fotos não seria uma afirmação de superioridade? De deixar bem claro: eu sou superior, por que estive neste lugar maravilhoso?
Desde o berço, através do choro, sentimos necessidade de marcar nossa presença. Precisamos mostrar que o mundo gira em volta do nosso umbigo. Há mais de cinquenta anos, antes, portanto, da invenção do celular, foi feita uma pesquisa na central telefônica de Nova Iorque, onde ficavam registradas todas as ligações. O objetivo era saber que palavra os usuários falavam com maior frequência. Ganhou de lavada uma palavrinha de apenas uma letra, em inglês: I. Vale dizer: eu sou mais importante que tudo. Não só lá; no mundo inteiro. Basta conferir. Numa foto de várias pessoas, no meio das quais também estamos, para qual olhamos primeiro? Se vamos falar de um grupo do qual fazemos parte, por quem começamos? Enumeramos assim: eu, fulano, sicrano, beltrano etc. não é? Quem vai à frente? Claro, o mais belo, inteligente e importante de todos, que sou eu. Assim agimos todos, desde que nos conhecemos por gente. Achamos a coisa mais natural do mundo. Estranhamos se alguém faz o contrário.
Importa descobrirmos nossa real identidade. Cinco séculos antes de Cristo, o filósofo Sócrates já prescrevia: “Conhece-te a ti mesmo”. Para isso os mestres da vida cristã aconselham a saudável prática do exame de consciência. Ele nos revela, sem perigo de engano, nossas virtudes e defeitos. Nossas potencialidades e limitações. Quem se conhece não fica aborrecendo os outros com o cansativo relato de sua grandeza, quase sempre ilusória. É extremamente enfadonho conviver com um egocêntrico. O desconfiômetro do infeliz está sempre avariado e nenhuma oficina conserta. Vira e mexe, seu papo cai naquilo que mais adora: deitar louvação de si mesmo. De sua pessoa, de suas conquistas e vantagens, sempre maiores do que tudo o que os outros conseguiram. Quem pode sentir-se bem ao lado de quem se julga sempre superior? Que graça tem saber de antemão que seremos tratados como inferiores?
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