Cinco seguranças que espancaram Januário Alves de Santana no estacionamento de um supermercado da rede Carrefour, em Osasco (SP), em agosto de 2009, foram indiciados pelo crime de tortura (inicialmente o caso havia sido classificado como lesão corporal dolosa). De acordo com a Agência Brasil, o delegado responsável afirmou que falta apenas a decisão judicial a respeito de um habeas corpus, impetrado por um sexto envolvido, para que o inquérito seja concluído.
A notícia do indiciamento não é boa o suficiente para atenuar o fato de que já se passaram dois anos desde o ocorrido e o inquérito não terminou. Ou seja, do julgamento, nem o cheiro.
Na época, tratei do tema neste blog. Seguranças da loja do Carrefour acharam que o vigilante Januário Alves de Santana estava roubando um automóvel. Por isso, foi submetido a uma sessão de tortura de cerca de 20 minutos. “O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?”, perguntaram, enquanto davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em suadas 72 vezes de R$ 789,44. Na cabeça dos seguranças do supermercado, um negro não poderia ter carro de bacana branco. Em 2010, ele fechou um acordo com a rede de supermercados, mas o valor não foi divulgado. Segundo o Carrefour, a empresa de segurança e o gerente da loja foram substituídos e um pedido formal de desculpas feito.
Se esse fosse o único caso ocorrido nas dependências de um estabelecimento comercial, ainda assim seria bizarro. Mas, infelizmente, não é. Trago casos que já mostrei aqui neste espaço:
No dia 06 maio de 2010, Domingos Conceição dos Santos foi baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco em São Paulo. Ele usava um marca-passo e apresentou um documento comprovando isso, o que explicaria porque o detector de metais da porta giratória apitaria quando passasse por ela. Após uma discussão com o cliente, o segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. Ele entrou em coma e teve morte cerebral constatada quatro dias depois. O funcionário do banco foi preso. Na época, a família afirmou que Santos foi vítima de racismo por ser negro.
Franciely Marques foi acusada injustamente de ter roubado duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em uma loja da rede Sendas, em Vicente de Carvalho, subúrbio do Rio de Janeiro. Desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio condenaram a empresa a pagar R$ 7 mil à consumidora em 2010. O relator do caso, Sidney Hartung, diz que a Franciely foi “covarde e humilhantemente acusada de um crime, sem a mínima evidência, causando-lhe abalos de ordem moral”. Em tempo: o mercado também vai ter que devolver as duas canetas ou os R$ 10,98 que elas custaram.
Em agosto de 2009, o pedreiro Ademir Peraro furtou coxinhas, pães de queijo e creme para cabelo do supermercado Dia%, pertencente à empresa, em São Carlos. O total: R$ 26,00. Por isso, ele foi levado até um banheiro, agredido com chutes, socos e um rodo e deixado trancado, definhando, até às 22h. Depois, buscou socorro, mas já era tarde: acabou morrendo por hemorragia interna e traumatismos. Na delegacia, o segurança confirmou o caso e disse que seu supervisor, que o ajudou na sessão de tortura, havia sido o mais violento. O Dia% disse que a responsabilidade era da empresa terceirizada responsável pela segurança.
Tenho um rosário de outros casos, mas eles vão se repetindo. Basta trocar o nome da empresa, o município e a alcunha do agredido.
Respeito não é apenas oferecer boas condições de pagamento ou um produto de qualidade na gôndola. É também manter profissionais preparados para o convívio social que garantam aos que passam na loja um tratamento civilizado, independente de cor de pele, orientação sexual ou quanto a pessoa tiver na carteira ou na bolsa. Isso sem falar no tratamento digno aos próprios empregados, mas isso é outra história. No mais, uma loja ou uma agência bancária não podem realizar justiça com as próprias mãos, decidindo que o destino de quem tem cara de pobre é andar a pé e tomar porrada e de quem furta coxinha é a vala do cemitério.
Como já disse, enquanto não universalizarmos as noções de respeito, cuidado ao entrar na seção de bolachas de um supermercado ou mesmo em uma agência bancária para pagar uma conta. O conceito de “lugar perigoso” mudou radicalmente. Preços altos não são mais a única forma de agredir um consumidor. Blog do Sakamoto
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