segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O silêncio - Pura realidade

A natureza, que nunca erra, deu-nos dois ouvidos; boca, porém, só uma. Como a advertir que devemos ouvir o dobro do que falamos. O mundo que construímos é barulhento demais. Cheio de ruído das máquinas que provam como é civilizada a nossa vida. E o “som”, que chamam música e fere os ouvidos a qualquer hora? Mais parece o bate-estaca de um prédio em construção. O “ruído” visual também é de tirar o chapéu. Chega a doer a babilônia de cartazes, painéis e placas, que agride os olhos.
Com tanto apelo para sairmos de nós mesmos, ninguém se preocupa em concentrar-se, em penetrar no seu mundo interior, em se encontrar com o próprio coração. Não sabe fazer silêncio. Pior, condena quem faz.
Chegamos ao absurdo de termos negado nosso mero direito ao silêncio. Basta permanecer calado alguns minutos que alguém ouve a pergunta aflita: “Que você tem? Está passando mal?”. Ou seja, quem é saudável tem que conversar. Não pode criar um espaço de liberdade interior. Se não está matraqueando feito papagaio em dia de chuva, só pode ter alguma doença.
Em tempos que já se foram, o seminário nos transmitia, às crianças que então éramos, o valor do silêncio. Das 20h às 7h30 da manhã seguinte, abria-se a boca só para escovar os dentes. Era o “grande silêncio”. Vem daí o costume de padres mais velhos se manterem calados por lapsos de longa duração. Postura que muitos interpretam como sinal de mau humor. Compreende-se: é inútil esperar que alguns entendam aquilo que jamais conseguiram praticar.
Silêncio, hoje, nem mais no interior de templos e igrejas. Ali se conversa como em qualquer praça de feira livre. Numa altura audível a quilômetros. E vá alguém exigir silêncio. A resposta é olhar indignado, quando não palavras de desaforo. Como se errado estivesse quem espera silêncio num ambiente de oração e de recolhimento. Pode isso? Por que, afinal, se reuniram lá as maritacas? Para bater papo, como desocupados num boteco?
Quem não consegue construir silêncio vai, aos poucos, restringindo sua capacidade de ser gente. A grandeza da pessoa humana vem justamente do seu interior. Aí residem as faculdades que a distinguem dos outros seres: razão, liberdade, abertura para o Absoluto, amor, criatividade, capacidade de escolher o bem... Se esse espaço não é visitado, cultivado, desenvolvido, vai, pouco a pouco, se atrofiando. A pessoa torna-se como um daqueles balões coloridos de festa infantil.
Muita gente é incapaz de silêncio justamente por medo de encarar o seu vazio interno. Porque fazer silêncio é encontrar-se consigo mesmo. Quem nada carrega dentro de si foge do seu mundo interior. Qual a graça de entrar num quarto vazio?
Nosso Deus, no entanto, só se deixa descobrir no silêncio. No meio do tumulto, da agitação insana, do ruído de insuportáveis decibéis, é inútil buscá-lo. Silêncio continua espaço privilegiado para a descoberta dos valores mais sagrados e fundamentais da vida.
Dá para desconfiar de quem faz propaganda de seu fervor religioso, mas se mostra incapaz de recolhimento e de silêncio fecundo. Por padre Orivaldo Robles

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