segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O debate (e as desculpas) contra o aumento do salário mínimo

Estamos em plena discussão sobre o valor do salário mínimo em 2011. A área econômica do governo (deste e do próximo) briga por R$ 540,00 enquanto o ministro do Trabalho quer R$ 560,00 e as centrais sindicais defendem R$ 580,00.

Enquanto isso, “especialistas” descabelam-se na mídia com o impacto desse aumento nas contas públicas. Abaixo, posto pérolas desses especialistas reunidas do material deste blog. Muitas vezes essas análises são produzidas em uma linguagem que poucos conseguem entender, ou seja, em código para atingir aqueles que sabem decodificá-lo, ou seja, um grupo economicamente seleto. Ou, por outro lado, podem ser colocadas de forma a parecerem proposições tão claras e óbvias que ir contra elas é um atentado à razão. Em outras palavra, “só um idiota não concordaria com isso”.

“O governo deve desvincular a Previdência do aumento do salário mínimo. Os aposentados não podem receber aumentos na mesma progressão que a população economicamente ativa.”
Em outras palavras, quem pode vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da mão-de-obra para o capital – o resto que se dane. Para que gastar com quem já não é útil à sociedade com tanta dívida pública para ser paga? Melhor seria instituir de vez que, chegando a tal idade, os idosos pobres deveriam se destinar a instituições parecidas com aquelas do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, para serem reciclados. Mais rápido e limpo.

“Cada real a mais de salário mínimo representa um aumento de milhões no prejuízo do governo federal”
Primeiro, se fossem efetivamente cobradas as grandes empresas sonegadoras da Previdência, o “rombo” não seria desse tamanho. Mas isso é de interesse de quem? Dos representantes políticos que receberam doações de campanhas dessas mesmas empresas? Além disso, constata-se que a cada aumento no salário mínimo ocorre um aquecimento na economia de locais de baixa renda, o que gera empregos e melhora a qualidade de vida de milhões de pessoas. Então, seria interessante o especialista definir melhor o que é “prejuízo” antes de usar o termo.

“É importante aumentar o mínimo? Sim. Mas a população tem que entender que não é o aumento do mínimo que vai distribuir renda e sim o crescimento da economia.”
Os economistas da ditadura militar falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Por isso, apesar de você ter ajudado a produzir o doce tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, vai sorvendo este mingau.

Considerando que nossa concentração de riqueza é uma das mais altas do mundo, percebe-se o tipo de resultado que dá essa fórmula. Além do mais, salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo. O melhor de tudo é o tom professoral de “A população tem que entender”, como se o especialista que disse isso fosse um ser iluminado dirigindo-se para o povo, bruto e rude, para explicar que aquilo que eles sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos internacionais do país.

“Já houve um bom aumento do mínimo nos últimos anos. Agora, o governo deve diminuir o ritmo de aumento para não prejudicar o país”
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), o salário mínimo mensal necessário para manter dois adultos e duas crianças deveria ser de R$ 2.222,99 – em valores de novembro de 2010. Hoje, é de 510 mangos. O Dieese considera o salário mínimo “de acordo com o preceito constitucional ‘salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim’ (Constituição da República Federativa do Brasil, capítulo II, Dos Direitos Sociais, artigo 7º, inciso IV)”.

No acordo que estabeleceu com as centrais sindicais, o governo federal atrelou o ritmo de crescimento do PIB ao do salário mínimo, na tentativa de resgatar seu poder de compra. O combinado prevê reajustes baseados na soma entre a inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos anteriores. Como o PIB foi ligeiramente negativo em 2009 devido à crise econômica internacional, haveria apenas reposição das perdas inflacionárias. OK, se o mínimo fosse o valor do Dieese, vá lá. Mas estamos longe de garantir dignidade com esse “mínimo de brinquedo”, portanto é inaceitável que seu valor real permaneça o mesmo. Ainda mais com o crescimento alto que teremos este ano. Uma alternativa é puxar parte do crescimento do mínimo do ano que vem para este.

O debate está duro. É claro que ninguém está pregando aqui a irresponsabilidade fiscal geral e irrestrita, mas o aumento do salário mínimo é uma das ações mais importantes para garantir qualidade de vida ao andar de baixo. Deveria haver mais empenho por parte de governo e oposição (que também está defendendo um aumento alto mas sem mostrar com precisão de onde virão os recursos) para procurar alternativas.

Vale lembrar que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o aumento dos vencimentos de deputados federais, senadores, presidente, vice-presidente e ministros para R$ 26.700,00 mensais a toque de caixa. Esse valor representa mais de 52 salários mínimos/mês. O impacto total no Tesouro é menor que o aumento do mínimo, claro. Mas é tão simbólico o desenrolar desses dois processos que me dá paúra no estômago. Fonte:Blog do Sakamoto

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